O Pavão de Rubem Braga e Os Bolsos Vazios da Crônica

A crônica é um gênero fundamentalmente brasileiro. Como qualquer outra coisa das que o mundo possibilita, é derivada de um modo próprio de organização humana. No nosso caso específico ela é fruto do descaso que historicamente mantivemos com nossos grandes escritores e poetas que, na impossibilidade de trocar poesia por pão, precisavam suar o cérebro…

Aula de Inglês (Crônica de Rubem Braga)

—  Is this an elephant? Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior…

A queda e a errância ou “como assim não há relação sexual”?

Num trecho célebre de Ser e Tempo (uma das obras máximas de nossa época), Martin Heidegger usa a metáfora da queda (de-cadência/verfallen) para exprimir a existência humana. O termo decadência não exprime nenhuma avaliação negativa: implica antes numa espécie de determinação existencial constituindo, no seio de seu movimento, características do Ser do Homem. Num momento…

O Piano e a Gabriela: como Jobim fez esse mundo melhor

“Toda vez que Tom abriu o piano, o mundo melhorou. Mesmo que por poucos minutos, tornou-se um mundo mais harmônico melódico e poético. Todas as desgraças individuais ou coletivas pareciam menores porque, naquele momento, havia um homem dedicando-se a produzir beleza. O que resultasse de seu gesto de abrir o piano, uma nota, um acorde,…

A Maldição da Letra

A letra é uma maldição. A letra e suas filhas: a literatura, a poesia, a filosofia. Juntas são um espinho cravado na carne, um colorido distinto nos olhos que nos transporta a visão sempre para o que na vida não funciona. O pequeno conto de Voltaire abaixo é muito expressivo do milenar dilema entre a…

Ismália (por Alphonsus de Guimarães)

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar… Queria subir ao céu, Queria descer ao mar… E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar… Estava perto do céu, Estava longe do mar… E como…

Consoada (por Manuel Bandeira)

“Quando a Indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: – Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar.” (Por…

Boiação (por Fernando da Mota Lima)

O homem nasceu para boiar. Imagino o homem em estado primitivo, anterior a esse espantoso acervo de invenções  e desenvolvimentos que se chama civilização ocidental. Vivendo então suspenso entre as águas paradas e a sombra das mangueiras, o homem prazerosamente descansava como uma força inútil da natureza. Sua felicidade primária, derivante dessa espontânea integração no…