Jommond Drubim

Jobim DrummondOs grandes autores deixam uma obra imortal em lugar de suas inconvenientemente fugazes vidas. Elas, as obras, pasto macio de nosso conforto, mais do que uma compensação à vida que carreia consigo a morte, configura-se em uma continuidade extra-mundana: presente de madureza, um cristal de imortalidade. De nosso passo tão pouco caprichoso talvez não reste poeira de nome, sobretudo em 500 anos quando nada significará. Merecemos esperar mais que a noite sem fim de um país sem melodia? Que canto pode ser entoado em uma terra se alma? No oco sombrio de nossos passos reside, contudo, a beleza do retrato de todas as nossas grandes e pequenas questões: a canção de Jobim. Na erva mascada, nas notícias vermelhas vomitadas pelos jornais, no nítido oceano de nossa indelicadeza, a canção de Jobim mantém-se atual e urgente. Eis as obras que asseguram perene vida aos seus compositores. Sem nunca tê-lo visto pessoalmente, sou amigo de infância de Tom Jobim. Juntos brincamos no quintal de suas canções. Fraternos, bebemos juntos em todas as mesas a milenar inquietação amorosa da moça que passa, da felicidade que passa, do tempo que passa, da fortuna que passa, da morte que espreita. Nada há em sua vida que seja para mim um segredo e sua canção é sua e nossa vida viva. Ouvindo-a, conseguimos conviver intimamente com tudo o que foi o homem Jobim. Seu piano, tudo o que mais amou, evoca sua alma que conosco conversa contando-nos coisas que esse mundo barulhento insiste em esquecer. Escurece todos os dias, a cada segundo a treva anuncia-se com seu pesado pisar de patas. A noite não me seduz, mas (diz Drummond), já que aprouve ao dia findar, aceito a noite. Com ela aceito toda a ordem de seres soturnos e catatúmbicos que habitam os baixios e que, nesse tempo de fezes em que vivemos, ganham a pauta das manhãs. Minha noite, contudo é clara. Nela habitam Jobim, Drummond, Bach, Shakespeare, Freud, Guimarães Rosa, Voltaire, James Joyce e tudo o que de verdadeiramente essencial escapa a este estranho mundo de ideias tão amorosamente violentas. Convivendo com Jobim (e não só ele) vou calcando o profundo do existir, o sozinho capinar que de algum modo imprime primaveras num mundo que é só casca e grito. Com Drummond, canto a alegria de nada possuir, salvo um apaixonado transporte para um mundo de belezas literárias onde a vida é, definitivamente, paixão de expectantes frente a uma porta trancada. Com Jobim canto a possibilidade de penetrar em castelos e galgar a muralha do amor. Tomzinho, querido, que bom ter você.

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