Três Décadas Depois…

A vida nos conduz ao sabor de seus próprios e imprevisíveis caprichos. Dela a única certeza que temos é que o existir transcorre com a velocidade de um cometa. Em um instante somos crianças jogando futebol “barrinha” no meio de uma rua de paralelepípedos, meninos carregados de sonhos e expectativas quanto ao nosso incerto futuro e, num piscar de olhos, no tempo do cochilo de uma criança, trinta e cinco anos se passam. Há três (quase quatro) décadas atrás, Arcoverde era uma cidade formada por mandacarus e poesias. Um lugar encantado que fartamente produziu filhos-poema a quem cumpria o destino de repetir a retirância dos severinos e se espalhar pelo mundo a fim de dividir com outras terras a grandiloquência do passado de ouro que aqui vivemos. Alguns de nós partimos, outros permaneceram como uma estrela d’alva a marcar um lugar de encontro. Nessa cidade experimentamos uma felicidade que nem nas inventadas terras da literatura se viu ou se soube. Lembro com sabor especial de como foi crescer em um lugar mágico e, entre pessoas amadas, aprender aos poucos a ler a vida e produzir as primeiras descobertas das questões essenciais que são, não obstante, justamente aquelas das quais se alimenta uma análise: o amor e sua falência, a morte em sua imprevisibilidade, a felicidade que ocasionalmente dá lugar à tristeza, a doença, a ausência, os ritmos do corpo e da natureza, as oscilações e, em tudo isso que à época mal compreendíamos, a inadiável tarefa de transformar toda essa matéria turva da vida em palavras que organizam caminhos em forma de beleza e poesia (como o signo da Budega de nosso reencontro). Ontem, alguns desses ex-meninos da bola, do Imaculada, do Cardeal, da rua e da felicidade acharam de se reunir em torno de uma mesa plantada como árvore nessa pasárgada sentimental dos anos 70 e que persiste ainda nos anos 20 (e alguns a ela chegaram posteriormente, mas reconheceram nos vestígios presentes nessas ladeiras um rio de vida que convida a se tornar derradeira casa). Muito tempo se passou e foi tudo tão covardemente rápido, mas lembro bem de tudo o que marcou esse caminho. Lembro do que vivemos e que a vida generosamente nos presenteou. Lembro que vivemos uma vida que transcorria suave e sem esforço. Lembro de todos os amigos e amores dessa época tão viva. Lembro principalmente de como foi partir. Ontem, entretanto, voltei. Voltamos. Nos reunimos novamente junto a outros que subiram a bordo depois, mas fazem parte por adesão ao grande sonho. Voltamos todos ao ponto de partida para a urgente tarefa de brindar aos pequenos meninos que ainda vivem dentro de nós. Esses meninos interiores nos sustentam e ontem mais uma vez correram juntos e alegres pelos corredores do colégio e pelas ruas da cidade que, encantada, ainda persiste dentro de nós. Que nossos dias sejam repletos de alegria e que a morte, caso um dia resolva vir, nos encontre de copo, coração e sorrisos bem cheios.

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