Infância do Velho Graça

“A primeira coisa que guardei na memória foi um vaso de louça vidrada, cheio de pitombas, escondido atrás de uma porta. Ignoro onde o vi, quando o vi, e se uma parte do caso remoto não desaguasse noutro posterior, julgá-lo-ia sonho. Talvez nem me recorde bem do vaso: é possível que a imagem, brilhante e…

História (sempre) mal contada… (por Mia Couto)

“História de um homem é sempre mal contada. Porque a pessoa é, em todo o tempo, ainda nascente. Ninguém segue uma única vida, todos se multiplicam em diversos e transmutáveis homens. Agora, quando desembrulho minhas lembranças eu aprendo meus muitos idiomas. Nem assim me entendo. Porque enquanto me descubro, eu mesmo me anoiteço, fosse haver…

Anoitecer (por Carlos Drummond de Andrade)

“É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o…

Ascenso, o princípio

Ascenso Ferreira foi o responsável pelo meu primeiro alumbramento poético. Embora meu primeiro arrebatamento tenha se dado de maneira definitiva com João Cabral e sua poesia pluvial, minha alma aprendeu por primeiro a respirar sorvendo o sopro da poesia cotidiana do velho palmarense. Sua poesia pungente e divertida me apresentou em primeira mão (Freud, quando…

Breve Ponderação sobre o Trem de Ascenso

Composto com a mesma cadência do som do comboio arrastando-se melodiosamente pelos trilhos, o poema de Ascenso além da beleza prosódica traz o registro de um mundo lindo que não mais existe. O entremeio obscuro (entre os iluminados das cidades) onde cabiam suposições mágicas de Caiporas e Pais-da-Mata foi substituído por um universo de certezas…

Caminho de Casa

Sinto um ardor de amante pelo caminho que me leva à cidade onde nasci. Percorri tal caminho, transido de amor macio, durante as festas do Filho de Isabel – festa das fogueiras e luzes – em busca de alguma chama da perdida infância que porventura ardesse ainda. Nas veredas percorridas no intenso caminho interior que…

Fragmento de Nova Antologia Poética (por Quintana)

“Oh! aquele menininho que dizia “Fessora, eu posso ir lá fora?” Mas apenas ficava um momento Bebendo o vento azul… Agora não preciso pedir licença a ninguém. Mesmo porque não existe paisagem lá fora: Somente cimento. O vento não mais me fareja a face como um cão amigo… Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.”

Aula Inaugural no São João (Borges e Quintana)

Para Quintana, poeta e menino de aquário protegido como eu dos ruídos desse mundo intenso, a dança, como a poesia, apresentava-se como um luzeiro de esperança no oco do tenebroso da existência. Ritmo e poesia acendiam-se iluminando uma vereda na contramarcha do abismo. Somados, dança e verso (em sua tradição eminentemente oral) encontramos a música….