espaço letra freudiana

letra freudiana

 

Em Caracas, num seminário oferecido em 1980, há apenas um ano de seu derradeiro encontro com as areias do gêmeo irmão de hypnos, Lacan pergunta à sua plateia venezuelana quantos deles eram lacanianos. Diante de uma unanimidade resoluta, Lacan assombra seus interlocutores afirmando faceiro: “pois eu não, quanto a mim eu sou freudiano”.

Ainda na década de 60, quando da publicação de seus Écrits, quando as dimensões lógica e topológica começavam a se sobressair de seus seminários, questionado sobre uma suposta distinção entre seu ensino e aquele praticado por Freud, Lacan declara decidido a Pierre Daix e à História: “Eu sou aquele que leu Freud”.

Lacan inicia sua produção operando uma releitura de Freud, retirando do estabelecimento do texto inglês todo o ranço de um cientificismo médico do qual Freud não era tributário. Devolve o estatuto de fonte primária à Gesammelte Werke em detrimento à Standard Edition e qual semente tornada flor, faz brotar coruscante as dimensões gramatical, lógica, poética e topológica da clínica freudiana. Não há portanto, outro modo de ler Freud, que não descolando-o de uma caricatura que dele se fez e que Lacan se encarregou de destituir.

Até o fim, mesmo após a construção de aspectos evidentemente originais, não deixou jamais de reportar-se à dimensão heurística e fundamental da obra de Freud para qualquer prática que se pretenda psicanalítica. Não há Psicanálise sem Freud e não há Freud sem a clínica que co-autorou todos os seus trabalhos.

A Psicanálise constitui-se, portanto, no encontro de duas topologias. O encontro de duas instâncias íntimas, distintas e complementares tal como o são as mãos direita e esquerda, materializadas na forma dos charutos de Freud (o tradicional purito sugerindo a retidão inaugural) e de Lacan (o davidoff torto do enlace, da releitura, da reinvenção).

Lacan leu Freud e nos fornece aberta vereda. Percorramos embrenhando-nos no mato fundo de sua letra. Montaremos acampamento próximo à sua fogueira e do coração de sua obra ouviremos seus segredos.

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Como ler Freud? Lacan nos responde:

“não se trata, para nós, de sincronizar as diferentes etapas do pensamento de  Freud, nem mesmo de fazê-las concordar entre si. Trata-se de ver a qual dificuldade, única e constante, respondia o progresso deste pensamento, feito das contradições de suas etapas” (Lacan, Seminário 2, 1978, p.178)

Propomos portanto uma entrada no texto freudiano a partir de 3 níveis:

  • O CONTEXTO HISTÓRICO DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO: determinados impasses e problemas entre os analistas e a leitura que estes faziam foram definidores e influenciadores do formato final dos textos.
  • A TRAMA CONCEITUAL: nesse nível investigaremos o texto à luz da querela das traduções e da escolha Freudiana por termos como angst, lust, trieb, dentre anguns outros.
  • A GEOGRAFIA FREUDIANA: a obra de Freud é uma produção em zigue e zague. São inúmeras as reformulações quanto a aspectos cruciais como o que causa uma análise e o que marca seu fim, aspectos de resistência na transferência, a primazia da sexualidade em detrimento da primazia da morte, a diferença anatômica, a Psicanálise diante dos eventos culturais, as tópicas do Inconsciente, dentre outros. Aprenderemos a datar as formulações freudianas não isolando de seu contexto de produção.

 

Imaginamos a análise independente dessas perspectivas e o atravessamento do texto por esses anéis criando assim entre eles uma relação borromeana. Desse modo, é a própria letra freudiana quem os atará e quem, mormente, nos atará a uma prática psicanalítica no um a um de cada clínica.

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Repetindo, pois, o ato inaugural de Jacques Lacan que na Proposição de 9 de Outubro de 1967 delega ao significante Escola de Psicanálise a incumbência de “presentificar a Psicanálise no mundo e assegurar os meios de sua transmissão”, fundamos o Espaço Letra Freudiana no mesmo dia 09 de Outubro de 2015. Ele atualmente é composto por três grupos de Estudo com participantes e leituras próprias e pretende-se um espaço de transmissão da Psicanálise e garantia de singularidade no um a um de cada formação. O Espaço Letra Freudiana não é uma Escola de Psicanálise, é, entretanto, um lugar para quem procura não se esquecer da Psicanálise e de seu essencial.

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