o que é a psicanálise?

 corpo


Há pouco mais de cem anos, o mundo foi sacolejado pela emergência de uma nova ciência trazida ao mundo por seu idealizador, Sigmund Freud (1856 – 1939). O sábio de Viena despertou o mundo com a notícia de que a vida humana não era perfeitamente explicada por um domínio progressivo de uma consciência esclarecida que avança, em movimento de dominação, por sobre a parcela obscura de nós mesmos. Somos seres de escuridões fervilhantes que não poderão jamais ser totalmente esclarecidas e nossa cura não passaria pela improvável perspectiva de iluminação, mas por um saber contornar os abismos que carregamos a que Freud chamou de Inconsciente (das unbewusstsein).


Para Freud, nossos sintomas, nossas repetições, nosso mal-estar a fazer pregas na alma e nos deixar à beira da loucura (como no poema de Fernando Pessoa), aquilo que carregamos conosco como correntes atadas aos nossos pés nos tornando inaptos ao trabalho, ao sono ou ao amor não seriam (para Freud) passíveis de desaparecer pela via de um treinamento cognitivo, pelo esclarecimento racional ou por uma vontade treinada. Esses fenômenos, justamente por terem raízes inconscientes, escapam à compreensão total e à intervenção da consciência. Eis a mensagem que roubou o sono da Europa e da humanidade.


A Psicanálise em seu estado nascente se desenvolve a partir da radicalidade dessa hipótese: tudo aquilo que nos aflige, tudo o que compõe os nossos sonhos e lapsos portam consigo uma mensagem do passado. Nossos sintomas têm a mesma estrutura linguageira de um poema transcrito para língua estrangeira e a análise é a Pedra de Roseta que permite sua tradução. Mas se os conselhos, as advertências e o estabelecimento de metas são insuficientes para se lidar com a angústia, as fobias, os embaraços e as procrastinações que marcam inúmeras vidas… o que fazer, então? Qual a solução apontada pela Psicanálise? Uma antiga paciente de Sigmund Freud definiu a experiência de análise pela qual passava como uma “cura pela fala” (talking cure), sugerindo para seu analista e para todos os pósteros que a possibilidade de mudança não nos entra pelos ouvidos, mas nos sai pela boca na forma de uma costura de palavras que reorganiza o passado e abre todas as portas do futuro. Letra se deslinda com a Palavra e é a Psicanálise uma aposta radical na palavra e sua eficácia transformadora.

A Psicanálise, portanto, não se confunde com a psicoterapia, com as terapias comportamentais, com as técnicas de coaching ou com as formas já estabelecidas de orientação e aconselhamento. Na verdade, nos garante Freud em um antigo texto, há entre essas formas de auxílio e a Psicanálise a maior antítese possível e para materializar essa oposição, o sábio de Viena recorre a uma antiga metáfora já utilizada por Leonardo da Vinci para distinguir os gêneros artísticos. Eis o fragmento freudiano:



“A pintura, diz Leonardo, trabalha
per via di porre, pois deposita sobre a tela incolor partículas coloridas que antes não estavam ali; já a escultura, ao contrário, funciona per via di levare, pois retira da pedra tudo o que encobre a superfície da estátua nela contida. De maneira muito semelhante, senhores, a técnica da sugestão busca operar per via di porre; não se importa com a origem, a força e o sentido dos sintomas patológicos, mas antes deposita algo – a sugestão – que ela espera ser forte o bastante para impedir a expressão da ideia patogênica. A terapia analítica, em contrapartida, não pretende acrescentar nem introduzir nada de novo, mas antes tirar, trazer algo para fora, e para esse fim preocupa-se com a gênese dos sintomas patológicos e com a trama psíquica da ideia patogênica, cuja eliminação é sua meta.”

(…)

“Por esse caminho de investigação é que ela faz avançar tão significativamente nossos conhecimentos. Se abandonei tão cedo a técnica da sugestão, e com ela, a hipnose, foi porque não tinha esperança de tornar a sugestão tão forte e sólida quanto seria necessário para obter a cura permanente. Em todos os casos graves, vi a sugestão introduzida voltar a desmoronar, e então reaparecia a doença ou um substituto dela. Além disso, censuro essa técnica por ocultar de nós o entendimento do jogo de forças psíquico; ela não nos permite, por exemplo, identificar a resistência com que os doentes se aferram a sua doença, chegando em função disso a lutar contra sua própria recuperação; e é somente a resistência que nos possibilita compreender seu comportamento na vida.” (Sigmund Freud, Sobre a Psicoterapia, 1905, texto presente no volume 7 das Obras Completas editadas pela Imago)


O que é, afinal, a Psicanálise? A análise é a extraordinária possibilidade de bater as sandálias fatigadas, deitar-se por uns instantes em um divã de sonhos e encontrar, pela via da fala, horizontes mais respiráveis. A Psicanálise é a grande aventura, a derradeira libertação do passado, a superação dos sintomas não pela via da contenção, mas do reordenamento de nossas forças interiores. A Psicanálise é a grande viagem empreendida ao interior de nós mesmos à procura das melhores paisagens e da necessária coragem para existir.

diva

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