Reflexões sobre uma Psicanálise Ôntica

A expressão MEME foi crianda na década de 70 (portanto antes da popularização dos computadores que ocorreria somente em meados da década de 90) por Richard Dawkins no seu belíssimo “O Gene Egoísta”. Trata-se de uma entidade de memória equivalente ao gene (a cuja fonética o termo faz clara referência). O MEME é portanto, em caráter hipotético ao menos, a menor unidade de memória assim como em um cariótipo o GENE executa a mesma função. Segundo Dawkins, enquanto unidade de informação, o MEME multiplica de cérebro em cérebro pulando e multiplicando-se via compartilhamentos analógicos ou digitais.

Recebi o meme acima de um ex-estudante, uma proposição um tanto incômoda visto que faz menção ao trato (para muitos de nós avaliado como descuidado) que o genro e espólio de Jacques Lacan para com suas edições, traduções e sobretudo hermenêutica de seu ensino (a que ele insiste em produzir em caráter suposta e inadequadamente oficial).

O texto a seguir é uma breve reflexão sobre a Psicanálise ôntica que o mesmo vem propondo.

Jacques-Alain Miller se vale de uma premissa verdadeira (a de que não existe gozo sem corpo) para, a partir dela, produzir um equívoco. Há corpo? Há gozo no corpo? Por certo que sim, mas de que corpo se trata? Necessariamente ôntico? Eis aí o descompasso.

O equívoco de Miller e de tantos outros é entender que o corpo é ôntico e, enquanto tal, infenso à História ou a um contexto político. A partir daí justifica toda a sorte de interlocuções que fazem da Psicanálise que propõe uma espécie de “medicina social” que existe para apaziguar sintomas coletivos. A questão que até hoje nos toca é: de que corpo se fala, com que corpo se goza?

A Psicanálise é uma experiência do três, ocorre em triplo registro (real, simbólico e imaginário e o corpo não escapa dessa derrisão). Já eram três os campos de sua experiência desde Freud quando propôs sua própria tripla dimensão: tópica, dinâmica e econômica. Afirmar que corpo, gozo e falasser são entidades ônticas equivale a aprisionsar o vastíssimo campo da experiência humana na mera experiência do imaginário. É também, de certa forma, negar o Real que é quem agencia os discursos (mesmo este que o nega).

Uma Psicanálise ôntica é uma Psicanálise sem Real, uma Psicanálise sem corte, determinada pelas ideologias correntes e moldada pelo famigerado culturalismo: principal sinal do que o próprio Lacan chamou de “falsa Psicanálise”. Uma Psicanálise ôntica é, por fim, “uma faca só cabo” fazendo um avesso justo a um poema de João Cabral.

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