
A echarpe e o chapéu coco seriam insuficientes, mas eram todo o arsenal de que Olia Ginsburg dispunha para lutar contra o inverno parisiense que naquele ano havia reinado rigoroso pelos domínios gauleses. Com estes atravessara a cidade em direção a um prédio abandonado em Pigalle, quartier do baixo meretrício, movida pelo resoluto intuito de fazer uso dos serviços de uma clínica abortiva improvisada. Imigrante russa, judia, esposa de um músico desempregado e mãe de uma menininha que já passava por privações, não via outra alternativa para a sua sobrevivência senão a interrupção da gravidez. Repassava na mente seus justos motivos no momento em que, deliberada, entrou corajosa na sala de procedimentos. Inspecionando o local viu, ao lado dos instrumentos dispostos paralelamente por sobre uma mesa de mármore, uma bacia de metal que refletia um bruxuleante e nascente raio de primavera que entrava por uma fresta da janela quebrada dias antes por uma pedra arremessada anonimamente. Inclinando-se para ver melhor, deparou-se com uma poça viscosa de uma matéria pastosa, fétida e rubra que, inclassificável, fora supostamente o produto do último procedimento realizado. A mãe de Serge Gainsbourg deu meia volta e saiu do ambiente ainda mais resolvida do que entrou. Gainsbourg devia sua vida à sujeira e ele se sabia devedor da imundície que lhe salvara a vida naquele obscuro ano de 1927. Este é um fragmento da crônica que escrevi para o Coletivo Amalgama sobre Gainsbourg: o homem que amava as mulheres. Para ler o texto na íntegra clique aqui.