
A poesia nos espreita de perto e de longe. No caso do meu querido Quintana o vigiou desde muito cedo. Ainda quando criança a poesia o encarava do lado de fora do vidro por onde escorria a chuva que não molhou o seu rosto de menino crescido num aquário de janelas. Posteriormente o assolou nas brincadeiras infantis quando, assombrado, deu-se conta de que não podia conversar sobre as suas questões mais íntimas com todos distinguindo precocemente os dois únicos gêneros discursivos humanos: “tudo aquilo que, entre os homens, não é fofoca é poesia” dirá sintetizando sua brilhante descoberta. Depois, ainda mais tarde, no colégio militar, a poesia o perseguia estendendo sobre si seus olhos imensos desde o fundo dos coturnos, bem debaixo dos pregos que lhe untava as solas. No escuro secreto do alojamento,sorvia goles de poesia e água (ambas para matar outra sede que não a que aparentemente se anunciava). A poesia, em sua misteriosíssima condição, ainda mais tarde continuou acompanhando de perto a sombra do Anjo Poeta, escritor solitário residente de quartos de hotel, sempre que pensava e fumava à máquina, suspirando na penumbra. É a poesia quem nos ampara a todos quando em nossa posição tremulante de animais alquebrados, quem nos socorre quando nossa miserável condição quer urrar como bicho que é. Foi essa poesia quem sustentou Quintana quando temeu imensamente a morte e o fez, como disse o próprio poeta, dançar em torno de sua cova ainda não usada. Quem o socorreu quando preterido reiteradamente pela ABL. Ante os humanos infortúnios do abandono e da incompreensão poesia foi luz dentro da noite tornando suportável o fardo que sempre se tem carregar (tantas vezes inutilmente).

No fim da vida a poesia continuou sustentando o amável alegretense que conseguiu quase pairar por sobre uma nuvem de leveza e bom humor (a índole que lhe trouxe uma vida inteira dedicada ao verso). Sustentava e atormentava: nesse momento final o seu além-vidro eram suas musas. Tinha três: Bruna Lombardi, Cecília Meireles e uma terceira jamais confessada. Uma pra cada canto de sua alma. Como no Julgamento de Pares cada musa, borromeanamente, ocupava o lugar de amor, amizade e beleza (o título original pertencente a cada musa manteve-se em segredo, sabia-se no entanto que Cecília era também seu objeto a, sua vênus). Abaixo compartilho convosco, na voz do próprio Quintana, seu canto a Cecília Meireles recitado em reto tom tal como deve ser toda a recitação de todo bom poema. Com Quintana repito com ardor em nome de tudo o que o tempo e a distância ameaçam tornar não-real e sussurro inconfessavelmente para tudo o que em mim é musa: “Nem tudo estará perdido enquanto nossos lábios não esquecerem teu nome, Ce-cília”.
Cecilia [Texto e narração: Mario Quintana; Tema: Cecilia – Geraldo Flach] by lituraterre

Puxei a cadeira, sentei e arrastei as asas ao encontrar Cecília e Quintana, tão meus amigos! E com uma xícara de café, degustei tão lindas presenças em seu belo e bom texto. Obrigada! Ah! suspirei um cigarro em homenagem ao ilustre colega…
Suspirarei um charuto, um belo cubano, em homenagem ao feliz acaso de descobrires meu blog e vires aqui, ocasionalmente, depositar as maravilhosas pérolas de tua expectativa.
Belo texto…nos sugere um passeio singular sobre a vida em poesia de Quintana, revelando a leveza e a expressão de sua musa …
Cinthia, sem musa não há poesia. Obrigado pela visita e pelo comentário.