Dobrada à Moda do Porto (Por Álvaro de Campos)

Adaptação da famosa foto de Fernando Pessoa caminhando pela Rua da Baixa acompanhado das sombras de seus principais heterônimos

 

“Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.

Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo…

(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).

Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.”

(Poema: Álvaro de Campos – Fernando Pessoa
Vídeo: Francisco Buarque de Todos Nós de Hollanda)

2 comentários Adicione o seu

  1. Pedro,
    essa coisa do jardim
    particular, público ou do vizinho,
    como poetas nos advinham?

    1. Pedro Gabriel disse:

      Cecília a poesia nos habita.

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