
Paulo Mendes Campos é de uma safra especial de cronistas, daqueles que pelas urgências do estômago acabaram por se tornar um mestre nesse estilo com peculiaridades tão nacionais. Amigo de Quintana, Vinícius, Drummond, Bandeira e demais gigantes intelectuais de sua geração, deixou-nos um legado de verdadeiros mapas existenciais de nossas mais secretas e contraditórias veredas. As crônicas de Paulo Mendes Campos tratam justamente daqueles caminhos interiores cujo nosso narcisismo (na sua forma mais alienadoramente consumista) nos incita a esquecer: nossa dimensão falível e odiosa que a boa literatura nos ajuda não somente a identificar, mas também com ela se reconciliar. Dono de “um sorriso além de suas posses” (como costumava brincar) era um andarilho habitué da escura noite da alma que tantos tentam cobrir com um sorriso moralista e vazio. Em verdade Mendes Campos era sorridente, sorria “além de suas posses” (como costumava brincar), mas não o sorriso cínico dos anúncios publicitários que prometem irreal felicidade: sorria sorriso de quem se sabe ridículo e perdido. Paulo Mendes Campos (cujo nome repito com a mais cheia das bocas) é um dos meus mineiros de estimação. Um de seus temas favoritos é o amor. Não o amor das virgens cem por cento que envelheceram sem maldade (como no poema de Bandeira) mas o amor que se sabe a termo (como em Drummond e Bergman) que reconhece que ele avança sempre para sua dissolução em função dos impossíveis misteriosos que nos cercam.

No desamparo de uma noite escura qualquer o amor fatalmente reconhecerá seu desenlace: “Amamos sempre para perder / Para a solidão iluminada / Que vive além do amor já esvaído.” (tal como diz um de nossos grandes poetas vivos e injustamente desconsiderado), no entanto isso não é razão suficiente para dele nos esquivarmos. O amor (que subsiste com fundamentos mais imaginários que simbólicos) é o que nos torna magníficos e nos reata de volta ao circuito da vida. Amor é quem espanta Thanatos soprando de volta nossas velas pra Eros ou, no dizes La(s)caniano “é o que faz o gozo condescender ao desejo”. As crônicas de PMC atestam que esse amor, por mais traiçoeiro que possa se apresentar no modo como os amantes o vivem, não pode ser negado: a existência está cheia de suas demonstrações como por exemplo na situação da crônica a seguir (narrada por Paulo Autran) em que o amor que não resulta necessariamente na atração física de um ser por outro de mesma espécie não é menos legítimo pelo caráter surpreendente que assume ao final da narrativa. A crônica chama-se “Achando o amor” e antes que o leitor mais cético me solape com um riso irônico perguntando-me se amor é lá coisa que se ache sugiro que ouça com atenção e permita-se passarinhar pelos fundões de seu tempo pessoal encontrando, escondido nalgum canto da memória fugidia, algum perdido chupim.
Achando o Amor – Paulo Mendes Campos [Narrado por Paulo Autran] by lituraterre
Engraçado dizer de um escritor, poeta, que seu tema favorito é o amor. E quando conseguimos não falar dele?
Quando falamos de morte ou de ignorância. Amor, morte e ignorância são paixões bem distintas. Obrigado pelo comentário.
Olá, Pedro Gabriel! Prazer voltar ao seu blog! Puxa vida, que post, que post! Seu texto muito bacana, os links – vc lincou o lindo poema do Fernando Mota – a foto deles, não a conhecia!, a citação de Lacan…, ficou demais o seu texto! O Paulinho, como dizia Vinicius, foi um dos maiores cronistas desse País e ele era craque em fazer poesia em prosa. Ele, o Rubem Braga… São os clássicos mesmo da crônica que todos que gostamos de escrever devemos ler, reler, ler de novo, mais um pouco… Alguns autores conseguem isso, fazer a gente lê-los aos 13, 14, 15 e relê-los aos 20, 25, 30, 35, 40, 45, 50, 55, 60… O Paulinho é um desses autores. A crônica que vc menciona no texto, se não me engano, está no livro belíssimo “O amor acaba” – uma leitura que eu julgo obrigatória pra quem gosta de escrever. A crônica “O amor acaba” todos deveriam lê-la pq nela há poesia, beleza, lucidez, sabedoria, domínio total de técnica – é uma leitura que nos ensina muito e nos deixa apaixonados. Muito difícil alguém que gosta de escrever não se apaixonar por esta crônica e pelo livro. Fiquei muito feliz com este post! Um abraço e um 2011 muito inspirador pra vc!
Viviane, obrigado pela visita, pela leitura e pelo belo comentário. É fantástico quando somos lidos por alguém que conhece a matéria sobre a qual tratamos. Conheço o “Achando o amor” que tem pérolas magníficas e reconheço no Paulo (mas sobretudo no Rubem, nosso maior cronista) alguém que paz poesia em prosa. É uma honra pra este blog recebê-la. Volte sempre. A casa é sua.
Pedro Gabriel, não resistí, é como leitora-leiga de PMC, resgato “no fundão do tempo”um tempo mais.Conforme sua apontação, Amor não passa sem a dobradiça Eros(cessa de não) e Thanatos(não cessa de não).Gosto muito da cronica O pombo enigmático, conforme comentei com você, que junto a Encontrando o Amor, motivou essa escrita, obrigada.
E foi buscado em caixinha de sapatos, capturado e escolhido por ágeis mãos.Veio jovem,verde e zul, com asas cortadas que era pra vôo não levantar.Escolhida a gaiola, cuidou-se de amarrar a portinhola ás grades laterais de forma a sempre estar livre a passagem, que erapara sentir-se “em casa”, mais próximo possível da liberdade passarinheira.A menina se iluminava: “Pequito, mamãe!!Pequito.”e se alegrava.A menina e o pássaro.Seus olhos brilhavam, sorriam e seu dedinho apontava, ensaiava caminho.Pequito ensinava o passo do pássaro a menina.Ele, paciente e corajosamente sentiu-se protegido e não se furtava à convivência:bicava-lhe os dedinhos e empoleirava-se nos ombros e braços da menina, que fruia.Beliscava de dentro de casa suas sementes, partindo o seco envoltório das gramíneas. Que existencia!
Pequenino, passarinhava por entre bonecas,bichos , mamadeiras e bolas, desfilando sua miudeza.Pequito voava a casa diurna em suas rasantes e , ficou-se com muita dó, deixando crescerem as penas.E eis que , em um breve descuido, o pequeno pássaro, encontra (o que sempre estivera)aberta a janela e vôou mais alto e mais longe ainda fez-se presença-ausencia na vivência da menina.Ágil e frágil, enfrentou o desconhecido, desalojando sentimento. Não será que pequito também marcara hora para o amor?
Passarinhar, eis o nosso destino e nosso prazer. Que existência! Acaso haveria nessa vida de tantos desencontros pecado maior que marcar hora para o amor?