“Disseram que o filme foi um fracasso, porque a esposa se revela como um monstro frio – nenhuma mulher convidaria o marido para ver esse filme. Acredito mais numa outra razão para o fracasso, a de que o verdadeiro canalha não seja nem Kirk Douglas no papel do repórter, nem Jan Sterling no papel da esposa, mas o público. O jornalista é aquele que dá comida à fera, mas não é ele mesmo a fera. É está a causa do fracasso: ninguém quer ver a si mesmo no papel de canalha. Como é que se pode despertar a curiosidade das pessoas para ver o filme, se o que se mostra a elas é a que bestiais conseqüências a curiosidade leva?”. Este depoimento foi dado por Billy Wilder, durante uma entrevista, sobre “A Montanha dos Sete Abutres”, brilhante filme de 1951 que naufragou nas bilheterias e na divulgação geral da imprensa. Foi posteriormente relançado com um segundo título como tentativa de burlar o fiasco das bilheterias em Hollywood: Ace in The Hole se tornaria The Big Carnival. O filme é uma obra prima sobre a condição humana e as coisas terríveis que se pode fazer pelo que o pop-artista Andy Warhol chamou de “os 15 minutos de fama”. Como um Nelson Rodrigues apresenta o que há de mais cru e dissimulável em nossa condição e não deixa de ser um dado interessante que um filme que tanto chocou as pessoas e a classe jornalística hoje represente bem menos do que se espera de qualquer grande veículo de imprensa. Alguns diretores da Hollywood clássica lançaram seus olhares para o que há de inescrupuloso em nós salientando seus traços imaginando, talvez, que a caricatura do presente os projetasse no que virtualmente seria nossa espécie num possível futuro próximo: desse movimento surgiram não somente “A Montanha dos Sete Abutres” mas também “Juventude Transviada” (Nicholas Ray, 1955), “Sindicato de Ladrões” (Elia Kazan, 1954) e “Assim Caminha a Humanidade” (George Stevens, 1956). Sem subtrair em nada a originalidade temática, a grandiosidade dramática e a perfeição técnica desses filmes (do de Wilder, sobretudo), olhando em retrospecto não é possível mais se escandalizar com nada do que nesses filmes é mostrado: Jim Stark e Jett Rink, personagens de James Dean nos filmes referidos são valentões amorosos que encontram o respeitam o limite da própria maldade recorrendo a um pai para dar sentido às suas vidas, Johnny Friendly, chefe do sindicato das docas parece mais um monge budista se comparado à verdadeira quadrilha que se tornou a atividade sindical no mundo atual e, finalmente, Charles Tatum, personagem de Kirk Douglas, causaria risos por sua ingenuidade e pudores se assistido hoje na redação de qualquer grande veículo de comunicação atual (hoje tornada uma montanha de 700 abutres). Ao que parece o máximo que a imaginação literária de diretores geniais foi capaz de afundar na miséria de nossa condição, não chegou nem perto da profundidade do charco onde a contemporaneidade inescrupulosa, violenta e cínica encontra-se atolada.
Título Original: Ace in the Hole / The Big Carnival
Diretor: Billy Wilder
Elenco: Kirk Douglas, Jan Sterling, Robert Arthur, Porter Hall, Frank Cady, Richard Benedict, Ray Teal, Lewis Martin, John Berkes, Frances Dominguez.
Produção: Billy Wilder
Roteiro: Walter Newman, Lesser Samuels, Billy Wilder
Fotografia: Charles Lang
Trilha Sonora: Hugo Friedhofer
Duração: 111 min.
Ano: 1951
País: EUA
Gênero: Drama / Noir
Estúdio: Paramount Pictures