“Mar que ouvi sempre cantar murmúrios Na doce queixa das elegias, Como se fosses, nas tardes frias De tons purpúreos, A voz de minhas melancolias: Com que delícia neste infortúnio, Com que selvagem, profundo gozo, Hoje te vejo bater raivoso, Na maré-cheia de novilúvio, Mar rumoroso! Com que amargura mordes a areia, Cuspindo a baba…
Categoria: Amor, Ódio e Ignorância
Campo Geral (por Guimarães Rosa)
“Quem quiser saber meu nome carece perguntar não: eu me chamo lenha seca, carvão de barbatimão…” “Amarro fitas no raio, formo as estrelas em par, faço o inferno fechar porta, dou cachaça ao sabiá, boto gibão no tatu, calço espora em marruá; sojigo onça pelas tetas, mò de os meninos mamar!” “Ô ninho de passarim,…
Luar (por Guimarães Rosa)
“De brejo em brejo, os sapos avisam: -A lua surgiu!… No alto da noite as estrelinhas piscam, puxando fios, e dançam nos fios cachos de poetas. A lua madura Rola,desprendida, por entre os musgos das nuvens brancas… Quem a colheu, quem a arrancou do caule longo da via-láctea?… Desliza solta… Se lhe estenderes tuas mãos…
A Bruxa (por Carlos Drummond de Andrade)
“Nesta cidade do Rio, de dois milhões de habitantes, estou sozinho no quarto, estou sozinho na América. Estarei mesmo sozinho? Ainda há pouco um ruído anunciou vida ao meu lado. Certo não é vida humana, mas é vida. E sinto a bruxa presa na zona de luz. De dois milhões de habitantes! E nem precisava…
Uma Hora e Mais Outra (por Carlos Drummond de Andrade)
“Há uma hora triste que tu não conheces. Não é a tua tarde quando se diria baixar meio grama na dura balança; não é a da noite em que já sem luz a cabeça cobres com frio lençol antecipando outro mais gelado pano; e também não é a do nascer do sol enquanto enfastiado assistes…
Anoitecer (por Carlos Drummond de Andrade)
“É a hora em que o sino toca, mas aqui não há sinos; há somente buzinas, sirenes roucas, apitos aflitos, pungentes, trágicos, uivando escuro segredo; desta hora tenho medo É a hora em que o pássaro volta, mas de há muito não há pássaros; só multidões compactas escorrendo exaustas como espesso óleo que impregna o…
Inocentes do Leblon (por Drummond)
“Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? trouxe imigrantes? trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas, e esquecem.”
Eu sei, mas não devia (por Marina Colasanti)
“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a…
O RomanSOMnho do Escricantor
Há 89 anos Tim Finnegans caía. Hoje, quase 90 anos depois, continuamos a ouvir seu corpo rolar pela escada: “The fall (bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonner-ronntuonnthunntrovarrhounawnskawntoohoohoordenenthurnuk!)” nos reunimos no último e a cada 16 de junho, para apreciar a melodia da sua queda. James Joyce não fala somente sobre a queda, ele nos derruba, ele nos faz cair, já na…
Poema de Desintoxicação (por João Cabral de Melo Neto)
“Em densas noites com medo de tudo: de um anjo que é cego de um anjo que é mudo. Raízes de árvores Enlaçam-me os sonhos No ar sem aves vagando tristonhos. Eu penso o poema da face sonhada, metade de flor metade apagada. O poema inquieta o papel e a sala. Ante a face sonhada…
