“Toda moça é mansa, é branca e delicada. Otacília era a mais. Mas, na beira da alpendrada, tinha um canteirozinho de jardim, com escolha de poucas flores. (…) E essa flor é figurada, o senhor sabe? Morada em que tem moças, plantam dela em porta da casa-defazenda. De propósito plantam, para resposta e pergunta. Eu nem sabia. Indaguei o nome da flor. – “Casa-comigo…” – Otacília baixinho me atendeu. E, no dizer, tirou de mim os olhos; mas o tiritozinho de sua voz eu guardei e recebi, porque era de sentimento. Ou não era? (…)
E o nome da flor era o dito, tal, se chamava – mas para os namorados respondido somente. Consoante, outras, as mulheres livres, dadas, respondem: – “Dorme-comigo…” Assim era que devia de haver de ter de me dizer aquela linda moça Nhorinhá, filha de Ana Duzuza, nos Gerais confins; e que também gostou de mim e eu dela gostei. Ah, a flor do amor tem muitos nomes. Nhorinhá prostituta, pimenta-branca, boca cheirosa, o bafo de meninopequeno.
Confusa é a vida da gente; como esse rio meu Urucuia vai se levar no mar. Porque, no meio do momento, me virei para onde lá estava Diadorim, e eu urgido quase aflito. Chamei Diadorim (…) ele veio, se chegou. Aí, por alguma coisa dizer, eu disse: que estávamos falando daquela flor. Não estávamos? E Diadorim reparou e perguntou também que flor era essa, qual sendo? – perguntou inocente. – “Ela se chama é liroliro…” – Otacília respondeu. O que informou, altaneira disse, vi que ela não gostava de Diadorim. (…) E Diadorim? Me fez medo. Ele estava com meia raiva. O que é dose de ódio – que vai buscar outros ódios. Diadorim era mais do ódio do que do amor? Me lembro, lembro dele nessa hora, nesse dia, tão remarcado. Como foi que não tive um pressentimento?
Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nestavida. Tinha notado minha idéia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei. O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: – Que você em sua vida toda toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!… – que era como se Diadorim estivesse dizendo. Montamos, viemos voltando. E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele.”
(por Guimarães Rosa no imenso Grande Sertão: Veredas)

Se é imenso o Grande Sertão fizeste fundo recorte.
Recorte do tempo, do respeito e do puro.
Imenso Sertão. Imenso Ser Tão. Obrigado por ler a postagem no espírito com o qual ela foi escrita.
Fantástico! “Imenso Ser Tão!” Caatinga em plena Pirmavera!
Caro Amâncio, boas veredas de macio capim te trazem a essa primavera em flor de mandacarú. O Sertão é para os bravos. O Ser Tão é para gente como nós. Atravessemos. Suportemos.