Chove? Nenhuma Chuva Cai… (por Fernando Pessoa)

“Chove? Nenhuma chuva cai…
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu…

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento…

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância…

Fernando Pessoa, in “Cancioneiro”

4 comentários Adicione o seu

  1. Pedro, a chuva tem o poder de lavar a alma.Aprendí na infância e acho que vale até hoje.

    1. Pedro Gabriel disse:

      Então cantemos junto com Ascenso Ferreira: Chove chuva pra nascer o capim
      Pro boi comer
      Pro boi pasta
      Pra sabiá cisca seu ninho
      Bota seus ovo
      Cria seus filhinho
      Chove chuva,chove chuva

      Chuáááaááá

      1. Ah que bela lavad´alma!

      2. Pedro Gabriel disse:

        A lavadeira de alma é geralmente uma la(va)deira onde engrenamos no tranco para o mais além do dever de insistir.

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