Ascenso, o princípio

Ascenso Ferreira foi o responsável pelo meu primeiro alumbramento poético. Embora meu primeiro arrebatamento tenha se dado de maneira definitiva com João Cabral e sua poesia pluvial, minha alma aprendeu por primeiro a respirar sorvendo o sopro da poesia cotidiana do velho palmarense. Sua poesia pungente e divertida me apresentou em primeira mão (Freud, quando chegou, já encontrou desbancado o senhor da casa) a contradição que existe em nossos ditos e uma esfera de desencontro entre os nossos mais honestos propósitos e a execução por nossa tremulante mão. Não à toa, o amor foi tema constante em sua poesia ilustrando esse que é o terreno do grande desencontro. O enigma imenso de nossa liberdade e do desencontro entre os falantes foi posto pela primeira vez diante de mim por Ascenso. Por sua sua poesia rodada compreendi que a jovialidade de nosso ímpeto inicial não é eterna e que é preciso rir, sobretudo rir e tomar a vida como o balanço de uma rede tremulando no topo das Baraúnas.

João Cabral me ensinou a caminhar, a ir em busca do caminho do mar. Mas foi Ascenso quem, antes, me levantou do chão da mesmice.

A poesia é uma resposta ao indecente da vida, ao que não marcha, ao que não funciona. Se a mão e o olho, pelo ofício do belo, corrigem “o oblíquo pelo aéreo” distribuindo semestes de cor no cinza das pedras (cores que ainda que ingerminadas servirão para aplacar a nossa sede de organização e beleza).

Sem domicílio, excluído, exilado, o homem erra sem finalidade. Não há felicidade, a vida é uma sucessão de eventos sendo alguns deles felizes e é a poesia o que nos ensina o que fazer com o tempo da aridez.

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